Ter um filho era o sonho da enfermeira Fernanda dos Santos Ribeiro, 38 anos,e do esposo, José Luís da Rosa Pereira, 41 anos, que é técnico em manutenção. Porém, as primeiras tentativas foram frustradas com dois abortos espontâneos. Buscando preparar-se para uma terceira gestação, ela decidiu investigar qual seria a causa dos insucessos. “Queria ter uma gravidez tranquila e não passar por aquilo novamente”, conta.
Fez vários exames e descobriu que tinha trombofilia, uma tendência à formação de trombos ou coágulos no sangue, e que teria que fazer injeções diárias, até 60 dias depois do parto, porque essa mutação acarretava nos abortos. Fez o tratamento, tomou metilfolato para o bebê não ter problemas de saúde.
Em 2019, soube que estava grávida novamente e com 12 semanas, que seria mãe de uma menina, à qual deu o nome de Laura, mas o médico pediu um rastreamento cromossômico, porque Fernanda estava com uma idade considerada avançada para a gestação.
Foi então que soube que o bebê tinha mielomeningocele, mais conhecida como espinha bífida, que é um defeito congênito no fechamento do tubo neural do bebê, no qual os ossos da coluna não se formam completamente. “Vi que havia algo errado quando pedi para o meu pai pegar o resultado do exame, em Montenegro, e não quiseram entregar, pediram pelos pais da criança e eu pressentia que tinha alguma coisa”, lembra Fernanda.Com o diagnóstico da filha nas mãos, ficou desesperada. “Eu sabia da gravidade e a primeira coisa que pensava era nas sequelas disso e de como seria a vida da criança. Fiquei uns três dias bem mal, mas depois vi que tinha que correr atrás.”
O resultado daquele exame chegou numa sexta-feira e os dias seguintes foram todos dedicados à pesquisa sobre o problema. “Entrei num grupo de mães e consegui o contato de um médico de São Paulo, porque não tem no Rio Grande do Sul, que usa uma técnica intermediária, arriscada, mas com muito resultado para o bebê”, recorda.
Laura passou por cirurgia na coluna quando ainda estava no útero da mãe
No caso de Laura, a medula e os nervos saem do canal, ficando em uma bolsinha exposta (fora da proteção óssea). Como a pele do bebê é muito fina, o líquido amniótico começa a prejudicar todas as inervações. “Nunca se sabe qual inervação vai pegar e, por causa disso, o líquor, que é um líquido cerebral, sai e muda todo o aspecto cerebral. Ela poderia ter, além de outros, a Síndrome de Chiari, dependente de respirador”, conta a mãe.
Começou então a corrida contra o tempo e pela busca dos recursos. Mesmo com as limitações financeiras, o casal optou pela cirurgia intrauterina, porque daria melhor qualidade de vida para o bebê, podendo, ainda, reverter a síndrome de Chiari e reduzir a lesão dos nervos, no fechamento da coluna, com a regeneração e, depois, fisioterapia.
“Não sabíamos como fazer porque não tínhamos o dinheiro para a cirurgia na rede particular. Conseguimos o dinheiro com a família e amigos e fomos até São Paulo”, conta.
Com 22 semanas de gestação, Fernanda passou pela cirurgia, no dia 23 de dezembro de 2019, às 10 horas. A vida da mãe também estava em risco. Para fazer o procedimento, foi feito um corte no abdômen, maior do que o de uma cesariana e retirado o útero. O bebê passou por um ultrassom, que localizou a lesão na espinha dorsal. Cortaram o útero, tiraram o líquido amniótico, anestesiaram a pequena e o neurologista fez a minuciosa cirurgia. A bebê pesava 600 gramas e tinha cerca de 15 centímetros. Após o procedimento, foi colocado soro no lugar do líquido amniótico, fechado o útero e colocado dentro do organismo de Fernanda. Todo o processo levou cerca de uma hora e meia. Foram dois dias na UTI e mais seis no quarto, junto do esposo. “No pós-operatório, já pudemos ver que a Síndrome de Chiari estava praticamente revertida e que não teria problema para respirar”, comemora a mãe. A gestação seguiu com muito repouso e cuidados, pois havia ainda o risco de ruptura uterina ou de o bebê nascer prematuro. “O pós-operatório foi bem complicado. Eu tinha dores horríveis, parecia que o bebê ia nascer e ela mexia muito, com dores também.”
Em dois de abril de 2020, Laura nasceu com 36 semanas de gestação, sem a necessidade de respirador. Aos quatro meses, ela passou por uma cirurgia na cabeça devido à dilatação do ventrículo, teve hidrocefalia compensada.
Hoje, com um ano, a pequena faz fisioterapia e estimulação precoce e está quase engatinhando. “Ela nasceu com uma cirurgia na coluna e ficou com gesso. Os médicos acham que ela está muito bem para o que teve e consideram um milagre pelo jeito que poderia ter sido. Eu sempre acreditei que ela ficaria bem, tinha muita fé. Orávamos muito. Uma médica me disse: tu tens que acreditar em Deus, é dele a última palavra”, comemora a mãe.
Para Fernanda, a maternidade, com todos os desafios a que foi submetida, colocando sua vida em risco, é tudo. “Era muita angústia, foi muito pesado e sacrificante. Tinham dias que eu me perguntava por que comigo, mas é que não adianta, as coisas aparecem e a gente tem que lutar. A maternidade para mim é tudo. Eu me completei, acho que amadureci muito, a gente aprende a ver as coisas com outros olhos, aprende o que é o amor incondicional. Não há mais que a gente ame do que a vida de um filho e, realmente, por um filho a gente faz tudo. Eu pensava primeiro nela. Se eu morresse, morreria pela minha filha. Tinha medo de acontecer alguma coisa com ela na cirurgia, mas tinha fé e pensava que Deus não faria eu ir até São Paulo pra morrer lá, era porque eu tinha que passar por isso”, conta. Fernanda salienta a importância das consultas de pré-natal, que possibilitaram detectar a situação e a buscar alternativas para uma melhor qualidade de vida a Laura, e a colaboração que teve dos amigos e familiares. “Não me arrependo de ter engravidado e faria tudo de novo. Ela veio para mim e eu tinha que passar por isso, ela me completou muito.”
O valor gasto pelo família está estimado em R$ 20 mil. “Não tínhamos de onde tirar tanto dinheiro e de uma hora para outra. Usamos tudo o que tínhamos. Tivemos a ajuda de familiares e amigos e nunca vou ter como agradecer a todos”, destaca.